O
calendário na parede indicava cerca de 760 anos antes do nascimento de
Cristo. Jeroboão II ocupava o trono de Israel, o reino do norte, e suas
façanhas militares tinham expandido as fronteiras de Israel para muito
além do que já tinham sido desde os dias do glorioso reinado de Salomão.
O dinheiro dos impostos cobrados das nações sujeitas a Israel jorrava
na casa do tesouro em Samaria, a capital, e o povo de Israel gozava um
período de prosperidade sem precedentes.
Como quase sempre acontece, com a prosperidade veio a
degradação moral e espiritual. O secularismo e o materialismo tomaram
conta do coração do povo, e o pecado corria solto. A lista de pecados
parecia a da América do século XX: blasfêmia, mentira, morte, roubo,
bebedeira, perversão, perjúrio, fraude e opressão, para citar apenas
alguns. No entanto, o que mais entristecia o coração de Deus era o
pecado da idolatria (Oseias 4:12, 13; 13:2). Os bezerros de ouro feitos
por Jeroboão I, cerca de 150 anos antes, tinham aberto as comportas para
todo tipo de mal proveniente da idolatria dos cananeus, incluindo
alcoolismo, prostituição religiosa e sacrifício humano.
Uma vez que o Senhor considerava a nação de Israel
como Sua esposa, Ele via a adoração a outros deuses como adultério
espiritual. O Antigo Testamento fala frequentemente de Israel
adulterando ou se prostituindo após outros deuses (Dt. 31:16, Jz. 2:17,
por exemplo). Desde o princípio, o Senhor dissera à nação que não a
dividiria com os outros. “Não terás outros deuses diante de Mim” foi o
primeiro dos dez grandes mandamentos (
Ex. 20:3).
Mas Israel persistia em ignorar esse mandamento; e lá pelos dias de
Jeroboão II a situação ficou intolerável. Deus ia falar de forma
decisiva, e o primeiro a ser escolhido foi um profeta chamado Amós. O
ex-pastor de ovelhas de Tecoa trovejou as advertências do julgamento
iminente de Deus, mas a nação lhe deu pouca atenção. Por isso, Deus
falou novamente, desta vez pelo profeta Oseias, cujo nome significa “O
Senhor é salvação”.
A primeiríssima coisa que Deus falou a Oseias foi acerca do seu insólito casamento:
“Vai, toma uma mulher de prostituições e terás filhos de prostituição,
porque a terra se prostituiu, desviando-se do SENHOR” (Oseias 1:2). Ao
longo dos anos, estas instruções têm sido entendidas de diversas formas
pelos estudiosos das Escrituras. Alguns acreditam que Deus estivesse
mandando Oseias se casar com uma ex-prostituta. Outros acham que uma
mulher de prostituições se referia simplesmente a uma mulher de Israel, o
reino do norte, uma nação culpada de adultério espiritual. Seja qual
for o caso, é óbvio que ela era uma mulher profundamente afetada pela
negligência moral da sociedade onde vivia, e Deus pretendia usar o
relacionamento pessoal do profeta com ela como uma lição clara e
objetiva sobre o Seu próprio relacionamento com Seu povo infiel, Israel.
Fosse qual fosse seu passado, Gômer deve ter demonstrado algum sinal de
verdadeiro arrependimento e fé no Senhor. Talvez ela tenha
correspondido ao ministério cheio do Espírito do próprio Oseias, e ele
se viu atraído por ela com um amor profundo e abnegado. Deus o levou a
tomá-la como esposa e foi assim que Gômer, filha de Diblaim, tornou-se a
insólita esposa do jovem pregador iniciante.
O início de seu casamento deve ter sido lindo, à
medida que o amor entre eles florescia. E Deus abençoou sua união com
um filho. Como o coração de Oseias deve ter se enchido de alegria! Ele
estava convencido de que seu casamento seria melhor do que nunca com
este pequeno para iluminar seu lar. Foi Deus quem deu o nome ao bebê,
pois este nome devia ter um significado profético para a nação. Ele o
chamou de Jezreel, pois foi lá que Jeú, bisavô de Jeroboão,
ambiciosamente subiu ao trono por meio de violência e derramamento de
sangue. Embora a dinastia de Jeú tivesse prosperado por algum tempo, sua
destruição despontava no horizonte e devia acontecer no vale de Jezreel
(Oseias 1:4-5).
Foi logo após o nascimento de Jezreel que Oseias
parece ter notado uma mudança em Gômer. Ela se tornou irrequieta e
infeliz, como um passarinho preso na gaiola. Ele continuou a pregar,
conclamando a nação desobediente a deixar o pecado e confiar em Deus
para livrá-la das ameaças das nações circunvizinhas. “Voltem para o
Senhor!” era o tema da sua mensagem, e ele pregava poderosa e
repetidamente (Os. 6:1; 14:1). No entanto, Gômer parecia cada vez menos
interessada em seu ministério. Na verdade, talvez tenha começado a se
ressentir dele. Talvez até tenha acusado Oseias de pensar mais na sua
pregação do que nela. Ela começou a procurar outras coisas para se
ocupar e a passar cada vez mais tempo longe de casa.
Os perigos são grandes quando marido e mulher têm
poucos interesses em comum. Às vezes, ele segue o seu caminho, e ela o
dela. Cada um tem seus próprios amigos e há pouca comunicação para unir
os dois mundos. A preocupação do marido com o trabalho talvez seja o
maior fator contribuinte para a separação. Ou talvez seja o crescente
envolvimento da esposa em atividades fora de casa e a consequente
negligência do seu lar. Pode ser também um simples desinteresse pelas
coisas do Senhor de qualquer uma das partes. No entanto, isso abre o
caminho para uma grande calamidade. Marido e mulher precisam fazer
coisas juntos e ter interesse nas coisas um do outro. Nesta história
inspirada, a responsabilidade é claramente colocada em Gômer, não em
Oseias. Ela não compartilhava do amor do marido por Deus.
Isso nos leva, em segundo lugar, à incessante agonia de Oseias.
A Escritura não nos dá detalhes sobre os acontecimentos, mas o que ela
diz nos permite fazer algumas conjecturas sobre o que causou a trágica
situação que veremos em breve. Provavelmente, as ausências de Gômer
foram ficando cada vez mais frequentes e prolongadas, e logo Oseias
começou a sentir uma ponta de suspeita sobre a fidelidade dela para com
ele. À noite, ele se deitava na cama e lutava com seus medos. Durante o
dia, ele pregava com o coração pesado. E suas suspeitas foram
confirmadas quando Gômer engravidou pela segunda vez. Agora era uma
menina, e Oseias estava convencido de que a criança não era sua. Sob a
direção de Deus, ele a chamou de Lo-Ruama, que significa “desfavorecida”
ou “não-amada”, implicando que ela não desfrutaria do amor do seu
verdadeiro pai. Novamente, o nome era um símbolo do afastamento de
Israel do amor de Deus e da disciplina que logo viria. Contudo, nem
mesmo essa mensagem espiritual conseguiu acalmar a alma atribulada do
profeta.
Tão logo a pequena Desfavorecida foi desmamada,
Gômer concebeu mais uma vez. Era outro menino. Deus disse a Oseias para
chamá-lo de Lo-Ami, que significa “não meu povo” ou “não meu parente”.
Este nome simbolizava a alienação de Israel do Senhor, e também
desmascarava as escapadas pecaminosas de Gômer. A criança nascida na
casa de Oseias não era dele.
Agora tudo tinha vindo à tona. Todo mundo sabia dos
casos amorosos de Gômer. Embora o segundo capítulo inteiro da profecia
de Oseias descreva o relacionamento do Senhor com Seu povo infiel,
Israel, é difícil deixar de sentir que isso é demonstrado no
relacionamento entre Oseias e Gômer, ensanduichado entre dois capítulos
que claramente descrevem essa história triste e sórdida. Ele pleiteou
com ela (2:2); ameaçou deserdá-la (2:3); e mesmo assim ela continuou
correndo atrás de seus amantes, porque eles lhe prometiam muitas coisas
materiais (2:5). Em certa ocasião, ele até tentou impedi-la (2:6), mas
ela continuou a procurar seus companheiros de pecado (2:7). Oseias
sempre a levava de volta, demonstrando seu amor e perdão, e eles
tentavam novamente. No entanto, o arrependimento dela tinha vida curta e
logo ela estava outra vez atrás de um novo amante.
Então, veio o golpe fatal. Talvez tenha sido um
bilhete ou um recado enviado por um amigo, mas a essência parece ter
sido: “Estou indo embora, e desta vez é para sempre. Encontrei meu
verdadeiro amor. Não volto mais”. Como Oseias deve ter sofrido! Ele a
amava tanto, e chorou tanto por sua causa, que era como se ela tivesse
morrido. Seu coração doía por saber que ela escolhera uma vida que
certamente a levaria à ruína. Seus amigos provavelmente lhe disseram:
“Deixa-a ir, Oseias. Agora você pode se livrar dessa adúltera de uma vez
por todas”. Mas Oseias não pensava assim. Ele queria tê-la em casa de
novo.
Não podemos deixar passar essa mensagem de amor eterno.
Oseias queria ver Gômer novamente ao seu lado como uma esposa fiel. E
ele acreditava que Deus era poderoso o suficiente para fazer isso. Um
dia ele ouviu uma fofoca de que ela tinha sido abandonada pelo amante.
Ela tinha se vendido à escravidão e atingido o fundo do poço. Essa era a
última gota. Com certeza, agora, Oseias iria esquecê-la. Mas seu
coração lhe disse: “Não!”. Ele não poderia desistir dela. E, então, Deus
lhe falou: “Vai outra vez, ama uma mulher, amada de seu amigo e
adúltera, como o SENHOR ama os filhos de Israel, embora eles olhem para
outros deuses” (Os. 3:1).
Gômer ainda era amada por Oseias, mesmo sendo
adúltera, e Deus queria que ele fosse atrás dela novamente e lhe
mostrasse seu amor. Como alguém poderia amar tanto? A resposta estava
bem ali no mandado de Deus a ele: “como o SENHOR ama”. Só alguém que
possui o amor e o perdão de Deus pode amar com essa perfeição. E quem
experimenta o amor perdoador de Deus não pode deixar de amar e perdoar
os outros. Maridos cristãos devem amar a esposa como Cristo amou a
Igreja (Efésios 5:25), e Oseias é um excelente exemplo bíblico desse
tipo de amor.
Assim ele deu início à sua busca, levado por esse
indestrutível amor divino, amor que tudo sofre, tudo crê, tudo espera,
tudo suporta, e jamais acaba. Finalmente ele a encontrou, toda
esfarrapada, machucada, doente, suja, desgrenhada, largada, presa a uma
plataforma de leilão de um asqueroso mercado de escravos, uma figura
repulsiva da mulher que um dia fora. E ficamos nos perguntando como
alguém poderia amá-la nessas condições. Oseias, no entanto, comprou-a
por quinze peças de prata e um ômer e meio de cevada (Oseias 3:2).
Então, ele lhe disse: “tu esperarás por mim muitos dias; não te
prostituirás, nem serás de outro homem; assim também eu esperarei por
ti” (Oseias 3:3). De fato, ele pagou por ela, levou-a pra casa e, por
fim, restabeleceu-a como sua esposa. Embora não encontremos nada mais na
Escritura sobre o relacionamento entre os dois, podemos presumir que
Deus tenha usado esse ato magnânimo de amor e perdão para enternecer o
coração de Gômer e mudar sua vida.
Quantas vezes o marido ou a esposa devem perdoar?
Alguns dizem: “Se eu sempre perdoar, simplesmente vou acabar aceitando
sua vida de pecado”. Ou, “Se eu sempre perdoar, ela vai achar que pode
fazer o que quiser”. Outros dizem: “Se eu sempre perdoar, é como se
estivesse endossando seu comportamento”. Ou, ainda, “Não posso suportar
outro golpe como esse. Se ele fizer de novo, vou embora”. Entretanto,
essas são respostas humanas. Preste atenção na resposta do Senhor Jesus.
Veja, Pedro tinha feito ao Senhor a mesma pergunta: “Senhor, até
quantas vezes meu irmão pecará contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete
vezes?” E a resposta do Senhor foi: “Não te digo que até sete vezes, mas
até setenta vezes sete” (
Mt. 18:21-22). Isso é muito perdão. Na verdade, Cristo estava simplesmente dizendo, de forma encantadora, que não há limite para o perdão.
Às vezes, são apenas pequenos deslizes e coisas do
dia a dia que precisam ser perdoados, alguma palavra áspera ou alguma
acusação mais irritada. Mas nós ficamos alimentando a mágoa, deixando-a
nos consumir, e guardamos a amargura e o ressentimento que corroem o
nosso relacionamento. Talvez seja um pecado mais grave, como o de Gômer,
e nós não conseguimos esquecê-lo. Ficamos remoendo o problema e nos
torturando por causa dele, trazendo-o sempre à mente, numa tentativa
inconsciente de punir o nosso cônjuge pelas mágoas que sofremos. Nós
tentamos perdoar, mas pouco tempo depois lá está ele novamente,
atormentando nosso pensamento. Grandes mágoas, às vezes, levam tempo
para serem curadas. Elas vão e voltam ao pensamento. Não há como evitar
isso. No entanto, a cada volta, precisamos, antes de qualquer outra
coisa, lembrar a nós mesmos que já perdoamos, e então repetir o quanto
fomos perdoados por Deus, pedindo-Lhe que retire os pensamentos
destrutivos e rancorosos da nossa cabeça.
Perdoar não significa, necessariamente, sofrer em
silêncio. A necessidade de conversa franca e aberta requer que
expressemos os nossos pensamentos e sentimentos, que falemos sobre a
nossa mágoa e como o nosso cônjuge pode nos ajudar a superar isso. Deus
nos diz o quanto o nosso pecado O magoa. Gômer, com certeza, sabia o
quanto seus casos amorosos partiam o coração de Oseias. O que dissermos
precisa ser dito com amor e carinho, mas temos tanto a necessidade
quanto a obrigação de compartilhar o que está no nosso coração.
Perdoar também não significa, necessariamente, tomar
medidas positivas para nos resguardar contra os pecados recorrentes.
Esse ponto talvez necessite de um aconselhamento mais extensivo; talvez
seja preciso uma reavaliação sincera da nossa personalidade e dos nossos
hábitos; pode significar também uma mudança do nosso estilo de vida ou
de lugar. Deus toma medidas positivas para nos ajudar a querer
agradá-lO. É para isso que serve a disciplina divina. Nós não
disciplinamos uns aos outros, mas podemos discutir as medidas que nos
ajudarão a evitar as mesmas armadilhas no futuro.
Perdoar, no entanto, significa sofrer pelo pecado da
outra pessoa. Não podemos retaliar, de forma a fazer a pessoa culpada
pagar pelo seu erro. Devemos absolvê-la de toda a culpa. Deus pode usar
esse amor perdoador para amolecer corações endurecidos e mudar vidas
calejadas mais rápido do que se possa imaginar. Esta é a lição de Oseias
e Gômer, a lição do perdão. O amor e o perdão de Deus permeiam toda a
profecia de Oseias. Por favor, não entendam isso de forma errada. Deus
odeia o pecado; o pecado entristece o Seu coração; Ele não pode fechar
os olhos para o pecado; Sua perfeita retidão e Sua perfeita justiça
exigem que Ele o trate. Mas Ele ainda ama os pecadores e diligentemente
os busca e lhes oferece Seu amor e Seu perdão.
O antigo povo de Deus, Israel, estava sempre
voltando aos seus pecados. “Que te farei, ó Efraim? Que te farei, ó
Judá? Porque o vosso amor é como a nuvem da manhã e como o orvalho da
madrugada, que cedo passa” (Os. 6:4). No entanto, Deus nunca deixou de
amá-los. “Quando Israel era menino, eu o amei; e do Egito chamei o meu
filho” (Os. 11:1). “Atraí-os com cordas humanas, com laços de amor” (Os.
11:4). “Como te deixaria, ó Efraim? Como te entregaria, ó Israel?” (Os.
11:8). E, justamente porque Ele nunca deixou de amá-los, Ele não deixou
de pleitear com eles: “Volta, ó Israel, para o SENHOR, teu Deus,
porque, pelos teus pecados, estás caído” (Os. 14:1).
É assim que precisamos amar. É assim que precisamos
perdoar. Precisamos arrastar as feridas purulentas cultivadas em nosso
coração até a cruz de Cristo ━ onde um dia depositamos o fardo da nossa
culpa e descobrimos o perdão de Deus ━ e devemos deixá-las lá. Quando
conseguirmos perdoar plenamente, a nossa mente será libertada do
cativeiro de ressentimento que criou uma barreira entre nós, e seremos
livres para crescer em nossos relacionamentos.
Vamos conversar sobre isso
- Na sua opinião, quais são as principais causas de separação entre marido e mulher?
- Quais os interesses que vocês dois têm em comum? O que mais vocês poderiam fazer juntos para fortalecer sua união?
- Nem sempre maridos e esposa têm consciência do amor do outro. Seria
de grande ajuda se cada um de vocês terminasse a seguinte frase: “Eu me
sinto amado quando você…” ou “Eu digo que o amo quando…”
- Você consegue pensar nas coisas que seu cônjuge tem feito a você que
o impedem de expressar livremente seu amor por ele? Conte-as ao seu
cônjuge e expresse seu completo perdão a ele.
- Como você pode impedir que os erros que você perdoou de outras pessoas fiquem voltando à sua mente e destruam sua paz?
- Que medidas positivas você e seu cônjuge podem tomar para impedir que certos pecados fiquem se repetindo em suas vidas?